Oitava Aula
Aula do mês de Maio
Dia: 07/05/18
Desabamento
de Prédio em São Paulo - El País
Acordar
no dia 1° de maio de 2018
e ver desmoronar o prédio em São Paulo que abrigava pessoas, necessidades e
sonho de uma classe em movimento (seja pelo fruto de migração, pelo desemprego,
pela necessidade do trabalho e do abrigo e pela luta por Direito a Cidade).
Desabamento de prédio
escancara o apartheid habitacional na cidade mais rica do Brasil
Para urbanistas, debate
sobre ocupações e movimentos sociais mascara problema maior.
Falta uma política digna
para um milhão de pessoas sem teto na cidade mais rica do país.
O desabamento do edifício Wilton
Paes de Almeida, no
Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, escancarou uma verdade com a qual a população da
periferia convive diariamente, mas que a classe média e alta esquece ou simplesmente
ignora. Na maior e mais rica cidade do país, nem todos os seus habitantes podem
se dar ao luxo de pagar aluguel ou prestação de um apartamento. Muito menos se
o imóvel estiver na região central da cidade e próximo de seus locais de
trabalho. Os dados corroboram as impressões: só na capital paulista há um
déficit habitacional de 358.000 moradias, o que significa que aproximadamente
1,2 milhão de pessoas vivem de forma precária. Em todo o Brasil, segundo dados do IBGE, mais de seis milhões de famílias — ou
aproximadamente 20 milhões de pessoas — precisam de um lugar para viver, ao
mesmo tempo em que sete milhões de imóveis estão vazios.
Um dos efeitos colaterais dessa matemática que não
fecha, principalmente nas grandes metrópoles, é a
ocupação de edifícios ou terrenos vazios. Só em São Paulo, há 206 ocupações onde vivem mais
de 45.000 famílias, segundo a
Prefeitura. No
centro da capital há 70 do gênero, geralmente em velhos edifícios abandonados
por seus proprietários — no caso do Wilton Paes de Almeida, pelo próprio
Governo Federal durante 17 anos — e muitos sem pagamento de IPTU. Só nesses 70
imóveis da região central vivem 4.000 famílias. “Existe um estado de verdadeira
emergência habitacional em São Paulo. O indicador disso é a explosão de
ocupações não apenas de prédios vazios, mas também de terrenos na extrema
periferia”, observa Raquel Rolnik, professora de arquitetura e urbanismo da
Universidade de São Paulo.
As ocupações têm sido lideradas por vários
movimentos sociais de luta por moradia que se escudam na Constituição
Federal para justificar suas ações: em seu artigo 5º, a Carta Magna garante o direito à
propriedade desde que ela atenda a sua "função social" — isto
significa que ela deve ser ou produtiva ou estar habitada para que atenda a
interesses coletivos. A Constituição ainda afirma, em seu artigo 6º, que a
moradia é um "direito social". Em seu artigo 23º, estabelece que cabe
a União, Estados e Municípios "promover programas de construção de moradias
e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico".
Estima-se que só em São Paulo existam cerca de 100
movimentos organizados com esse propósito, segundo cálculo de Luiz Kohara,
doutor em Urbanismo pela USP, que estuda esses grupos e acompanha a questão da
política de moradia na capital paulista. Com a queda do edifício do largo do
Paissandu, veio à luz a ação do Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM),
cujo líder, conhecido por Ananias, estava ausente quando as famílias se viram desabrigadas
sem ter para onde ir. Logo vieram as primeiras informações dos moradores que
conseguiram sair com vida do edifício contando que pagavam mensalidades,
interpretadas como aluguel ou extorsão por parte do MLSM, que variavam de 150 a
400 reais para viver em condições degradantes no prédio. Até o momento, uma
pessoa foi encontrada morta e, a partir de relatos de moradores, sabe-se que ao menos outras cinco estavam no
edifício durante seu desabamento. A ausência de Ananias em momento tão difícil
intensificou as suspeitas com relação ao MLSM e enfureceu moradores, além
daqueles que acompanham o noticiário, contribuindo para que o papel dos
movimentos como um todo começasse a ser colocado em xeque.
Da indústria dos sem-teto para beneficiar
oportunistas a espaço para distribuição de drogas, como afirmou o ex-prefeito
João Doria sobre o edifício Wilton Paes (mesmo sem dar mais evidências sobre o
assunto), toda sorte de interpretações sobre as ocupações cresceu sob a comoção
da queda do edifício que virou pó diante das câmeras de televisão. A prática de
cobrar mensalidade como rateio de despesas em prédios ocupados, no entanto, foi
reconhecida como uma prática corriqueira pelo próprio secretário de Habitação
de São Paulo, Fernando Chucre, no mesmo dia do acidente durante uma coletiva
com jornalistas. Chucre também lembrou que há outra liderança do MLSM que vinha
conversando com a prefeitura, mas que está hospitalizada em consequência do
fogo no edifício. “A liderança geral do movimento é o Ananias, mas o edifício
possuía uma coordenadora própria. Só que ela está internada com queimaduras e
não conseguimos contactá-la”, explicou ao EL PAÍS. Durante os dias que se seguiram
à tragédia, foi Ricardo Luciano, conhecido como Careca, quem assumiu a
dianteira. Ele integra o movimento, sendo o responsável pela abertura dos
edifícios fechados que serão invadidos na sequência. “Não temo a
criminalização. Eu já sou criminalizado porque sou um excluído”, diz ele.
Todo esse debate, porém, deixou em segundo plano a
questão principal que está na base da discussão, que é a própria falta de
moradia digna para mais de um milhão de pessoas em São Paulo, segundo observa
Luiz Kohara. “Temos um pano de fundo que é a tragédia anunciada das milhares de
família que moram em áreas de risco, tanto as que vivem em favelas, ou regiões
que passam por desmoronamento quando chove, como as que podem enfrentar
incêndios em prédios ocupados no centro de São Paulo”, diz ele.
As ocupações seguem a filosofia anarquista dos
okupas (ou squatters), que surgiu na década de 60 na Europa, e cresceu nos anos
80. Eles assumem edifícios que estão vazios há muitos anos como ação política
para denunciar o déficit de moradias para quem mais precisa, e como instrumento
de pressão para que o poder público assuma uma política mais antenada com a
urgência da sociedade. “Parte dos movimentos sociais que lutam por moradia é
séria e organizada, com história de combatividade e conquistas na política
pública de habitação, e que ajudaram a conquistar a lei do Estatuto da Cidade
em 2001, e que atuaram para que os planos diretores dos municípios não fossem
reféns da especulação imobiliária”, diz
Guilherme Boulous, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). “É evidente que existem
aproveitadores e oportunistas nos movimentos sociais, como, aliás, há em toda
parte. Há mais oportunistas por metro quadrado no Congresso Nacional que nos
movimentos de moradia”, ironiza.
Enquanto a discussão se mantém sobre quem são os
bons e maus na defesa dos que mais precisam de moradia, Kohara joga luz sobre a
matemática perversa na habitação em São Paulo. “Entre janeiro de 2008 e março
de 2018, um levantamento da FIPE revela que os preços dos imóveis cresceram
257% enquanto o salário mínimo aumentou 130% e outras mercadorias, 80%”, diz
ele. Para remediar parte do problema, a prefeitura de São Paulo entregou, entre
2013 até o momento, uma média de 3.800 moradias por ano, muito longe do
necessário. O secretário de Habitação de São Paulo, Fernando Chucre, explica
que o principal entrave para fazer uma política habitacional em larga escala é
a falta de recursos e de financiamento, principalmente voltado para as regiões
centrais. Reabilitar um imóvel antigo e adequá-lo a todas as normas de
segurança, ele explica, acaba saindo mais caro do que produzir uma nova casa ou
edifício na periferia. Uma linha de financiamento disponível é o Minha Casa
Minha Vida - Entidades, em que os próprios movimentos de moradia podem
participar da reforma de um imóvel e indicar as famílias que lá morarão. Mas
esta fórmula é cada vez mais restrita.
Com
exceção de algumas construções, como as torres residenciais para habitação
social construídas recentemente
— e não sem críticas — na região da Cracolândia, o poder público investe há décadas
em grandes conjuntos habitacionais nas periferias da cidade. O terreno é mais
barato, mas muito longe da maior parte dos empregos de quem precisa morar ali e
geralmente sem a infraestrutura adequada. Esta vem sendo, inclusive, a tônica
do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), do Governo Federal. Mesmo assim, a
população que mais necessita de políticas públicas habitacionais podem esperar
anos, ou décadas, até que consigam suas residências. A COHAB
(Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) possui uma fila de
170.000 pessoas que esperam adquirir, um dia, uma residência subsidiada. Desde
2010, somente 8% das quase 57.000 unidades erguidas pelo MCMV foram destinados
a quem ganha até 3 salários mínimos, informa reportagem do jornal O Estado de São Paulo, com
dados do Ministério das Cidades. “O Governo Federal cortou o MCMV especialmente
na faixa de zero a três salários mínimos, que são exatamente aqueles que mais
precisam de política pública”, observa Rolnik. Ela aborda outras possibilidades
de políticas, como o aluguel social em imóveis públicos, o subsídio para o
pagamento de aluguel em apartamentos já construídos... "O importante é
termos um leque de alternativas e não apenas a possibilidade de financiamento
da casa própria. Mas há uma total paralisia por parte dos governos municipal,
estadual e federal neste momento. Também estão cortando tudo aquilo que existia
ou estava sendo feito".
Dinheiro
para solucionar o problema sempre existiu, mas mal aplicado, segundo
especialistas em urbanismo e habitação. “Não faltou e não falta dinheiro. Mas
ele é colocado num modo de produção de moradia que é muito simplista, porque
parte da lógica de que vou comprar grandes terrenos baratos, fora da cidade”,
diz Washington Fajardo, arquiteto e urbanista, que cita o programa MCMV, como
mau exemplo. “Nunca foi uma política habitacional, mas sim de incentivo
econômico para combater a crise de 2008 cujo foco era produzir casa”, completa.
Ele cita o fato de o Governo Dilma ter destinado 270 bilhões reais para esse
programa. Na gestão Temer, foram outros 70 bilhões. “São 340 bilhões, muito
dinheiro. Usando como parâmetro o prédio que caiu em São Paulo, que tinha
14.000 metros quadrados e precisava de 40 milhões para ser reformados,
poderíamos ter reformado 8.500 prédios como aquele. Ou seja, o valor colocado
no MCMV poderia ter mudado o cenário dos centros urbanos brasileiros”, critica.
Rolnik
também aponta outra fonte de recurso que, para ela, é mal aplicado: o auxílio
aluguel de 400 reais concedido pela prefeitura de São Paulo para famílias de
baixa renda em situações de emergência, como quando são removidas de algum
imóvel. As famílias que perderam o teto com o desabamento do prédio, por
exemplo, receberão 1.200 reais no primeiro mês e, depois, receberão os 400
mensais, segundo a prefeitura. “Há 30.000 pessoas que recebem esse bolsa
aluguel. Algumas estão há dez anos recebendo o benefício e estão na fila para
receber uma moradia. Mas não existe em nenhum lugar de São Paulo aluguel por
este valor, nem na extrema periferia”, diz Rolnik. "É absolutamente
insuficiente para a pessoa pagar uma moradia e não é sustentável. Isso acabou
indexando o mercado, que já absorveu o preço dessa bolsa. Com esse recurso
todo, a gente já podia estar fazendo algo. É uma falácia quando dizem que não
há dinheiro. Ele só não está indo para quem precisa e para onde precisa",
completa. Para Evaniza Rodrigues, da União dos Movimentos de Moradia, que
representa cerca de 40 grupos, o bolsa aluguel não é uma alternativa, nem pode
ser vista como uma parte de uma política habitacional. “É mais para tirar o
problema imediato da frente. Mas ele continua”, diz.
Fajardo
diz que programas como o MCMV, visto como alternativa por muito tempo, focam na
construção de condomínios fechados para a população carente, um modelo similar
ao dos ricos, “estimulando que a sociedade viva em guetos”. Milton Braga,
doutor em urbanismo pela USP, segue a mesma linha. “São como depósitos de
gente: sem mistura social, não são áreas adequadas, não têm infraestrutura, nem
têm oportunidade [de trabalho perto]. É ruim para o Estado que tem de construir
tudo que falta, fica mais caro que construir no centro, e é ruim para o morador
que acaba privado de oportunidade”, diz ele.
DIREITOS HUMANOS
O Direito a Moradia adequada se tornou um direito humano universal,
aceito e aplicável em todas as partes do mundo como um dos direitos fundamentas
para a vida das pessoas, no ano 1948, com a declaração universal dos Direitos
Humanos.
Artigo 25, parágrafo 1° todos ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sócias indispensáveis, e direito à
segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
casos de perda dos meios de substância fora de seu controle.