Direitos Trabalhista
Direitos
trabalhistas servem
para equilibrar as posições entre os sujeitos das relações de trabalho. Volta e
meia, escutamos legisladores e outros dizendo que essas leis devem se adequar
ao tempo que vivemos, visto que a Consolidação das Leis de
Trabalho (CLT) é antiga – de 1943 – e talvez não leve em
consideração todas as mudanças sociais e econômicas que ocorreram nesse
período.
Este post
inicia uma trilha de conteúdos sobre a reforma trabalhista,
que está em discussão no Congresso Nacional. Começaremos expondo a evolução histórica dos direitos trabalhistas, para
que você possa entender como o Brasil chegou à leis trabalhistas que vigoram
hoje.
(wc. wikimedia commons) |
O
trabalho na Antiguidade
Quantos
de nós já não escutamos esta máxima: o trabalho dignifica o homem.
Às vezes, o ditado vem na forma de outros discursos, como “seu avô já
trabalhava aos 8 anos de idade”. Em nossa sociedade, o
trabalho é motivo de orgulho, quase uma carta emancipatória.
Quem trabalha adquire diversos direitos morais que só se admitem a quem tem uma
função econômica dentro da sociedade. Mas nem sempre foi assim.
Trabalho
já foi sinônimo de escravidão, servidão e de falta de
capacidade intelectual. Nos tempos antigos (Grécia e Roma, para sermos mais
exatos), o trabalho era destinado aos que não tinham habilidades técnicas para
exercer outras funções, como as políticas ou artísticas. Uma frase de
Platão explica o que era o trabalho para um grego no século III a. C, por
exemplo: “É próprio de um homem bem-nascido desprezar o
trabalho.”
Naquela
época, trabalhar não era uma boa ideia. Era fruto inclusive de debates
filosóficos, como o de Aristóteles, que discutia se havia pessoas
predestinadas para o trabalho e outras para a liberdade. Trabalhar
era coisa de escravo, e ser escravo nunca é bom negócio.
O
trabalho enfim dignifica o homem
A ideia
de que cumprir um papel no mundo trabalhista traz dignidade às pessoas só
foi aparecer já em nossos tempos modernos, fruto das revoluções industriais que
nos trouxeram um novo tipo de convivência social. Uma sociedade onde a divisão
de classes não era mais uma escolha divina, como na Alta Idade Média e Idade
Média Central – época em que a estratificação social era vista como
vontade divina -, ou no início do Renascimento Comercial, quando as
corporações de ofício decidiam as regras sobre as próprias atividades.
A partir
do aumento da industrialização, era necessário buscar outro motivo além do
sustento ou da vontade de Deus para o trabalho. A atividade laboral passa então
a empregar valores morais e sociais aos que a exerciam, e consequentemente
privar os que não trabalhavam desses mesmos valores. Passamos também a
viver uma nova relação entre as pessoas, com uma grande divisão: os que
tinham meios econômicos de manter um empreendimento e os que tinham apenas sua
força de trabalho como meio de garantir sua existência. Surgem assim as
figuras do patrão e do empregado.
As
condições de vida de um operário no século XIX, seja na Inglaterra, berço da
revolução industrial, ou em outros países europeus que seguiram o caminho
da industrialização, eram degradantes. Estavam expostos à fome e aos mais
diversos tipos de doenças (como a cólera e o tifo, personagens de grandes
epidemias do século XIX) que encontravam terreno fértil em cidades recém (e
mal) formadas, graças ao grande fluxo de trabalhadores vindos do campo em busca
de uma nova forma de prover sua subsistência. Essas cidades eram desprovidas de
saneamento básico: esgotos corriam a céu aberto e homens, mulheres e crianças
dividiam espaço com infestação de ratos, diversos insetos e outras pragas. Não
raro, duas ou mais famílias dividiam um quarto nas vilas operárias, que serviam
tanto para abrigar os trabalhadores quanto para garantir a dependência destes
em relação ao patronato, visto que as vilas eram de propriedade dos grandes
proprietários.
O
operário encontrava tudo isso após uma jornada exaustiva de trabalho
(por vezes, de 16 horas), em condições insalubres,
que levavam a graves problemas físicos. Muitos trabalhadores com menos de 30
anos se tornavam inaptos para o trabalho graças a sequelas deixadas por
anos de aspiração de pó de carvão, por exemplo. Na grande maioria das vezes,
essa atividade sequer lhes garantia o mínimo para suprir suas necessidades
básicas. Mulheres e crianças trabalhavam em regimes parecidos e
ganhavam menos, o que deixava a produção mais barata e aumentava os lucros. Em
contrapartida, isso gerava desemprego entre homens adultos. Essa situação
contrastava com a gigantesca riqueza gerada na época.
O visível
desequilíbrio entre as partes da produção não demorou a causar conflitos, principalmente num momento da revolução
industrial em que parte da mão de obra estava sendo substituída pela automação da produção, que traria as máquinas à cena. A
classe operária e os menos favorecidos em geral não gozavam de nenhum amparo
jurídico, embora movimentos na Inglaterra como o luddismo e o cartismo
procurassem solucionar esses problemas. Visando equilibrar essa relação e
acalmar os ânimos cada vez mais acirrados de sindicatos e outros movimentos
trabalhistas que se uniam às classes pobres contra a classe burguesa liberal,
os governos se organizaram para interromper o que poderia ser o crescimento de
novos ideais revolucionários (o socialismo, por exemplo).
Reivindicações
foram sendo incorporadas de maneira paliativa para que tudo se mantivesse em
funcionamento. Um exemplo são as pedidas do próprio movimento cartista, na
Inglaterra, que propunha medidas socialistas. Leis como a da jornada de
trabalho de 10 horas e a participação dos operários no parlamento, que eram pautas do movimento, foram sendo
incorporadas pouco a pouco, fazendo com que o cartismo perdesse força política
e não ganhasse crédito por essas conquistas. Entre os anos de 1860 e 1869,
as reivindicações cartistas foram quase totalmente inseridas na
constituição inglesa.
O que
México e Alemanha têm com a história dos direitos trabalhistas?
O
primeiro exemplo histórico de direito do trabalho não tinha propriamente esse
nome. Esses direitos trabalhistas eram chamados de “sociais” e se consolidaram
em 1917, no México, no contexto da revolução mexicana, que
levou à promulgação de uma nova constituição no país naquele ano. Nela,
constavam artigos que legislavam acerca do período de trabalho (8 horas
diárias), além de estabelecer um salário mínimo como um montante capaz de sustentar o
trabalhador e sua família com dignidade.
Logo após
a experiência mexicana, a Constituição de Weimar
(Constituição do Império Alemão) de 1919 foi promulgada. Ela também
garantia “direitos sociais”, numa ruptura com o Estado liberal e uma
tentativa de ascensão do Estado social. Esses direitos trabalhistas seguiam as
convenções da recém-criada OIT (Organização Internacional
do Trabalho), que fazia parte do tratado de Versalhes e buscava uma
relação tripartite entre governos, organização de empregadores e trabalhadores.
A grande
maioria das leis do trabalho brasileiras são pautadas nessa relação entre o
grande capital e os trabalhadores. Podemos dizer que direitos
trabalhistas emanam da ideia de garantir uma vida digna e equilibrar essa
relação, que é exatamente o papel que a OIT toma para si até os dias atuais.
E o
Brasil?
As
conquistas sociais em relação ao trabalho no Brasil são tardias, porque nosso
desligamento com a escravidão e nossa indústria também foram tardios. Porém, já
no final do século XIX, havia movimentos no sentido de garantir avanços legais,
como a Fundação da Liga Operária no Rio de Janeiro e a lei que proibia o
trabalho para menores de 12 anos. No começo do século XX, assistimos ao
estabelecimento de normas que previam férias (15 dias por ano) e alguns tipos
de direito em relação aos acidentes de trabalho. A criação destas leis foram
impulsionadas pela abolição da escravidão, que trouxe um novo viés trabalhista
e econômico para o país.
O governo
brasileiro passou a buscar o equilíbrio entre os elos que formam a
corrente do capital industrial a partir do governo Vargas, com
a Constituição de 1934. Nela estavam previstos direitos
trabalhistas como salário mínimo, jornada de trabalho de 8 horas, repouso
semanal, férias remuneradas e assistência médica e sanitária. Fica exposto
nessas ações que as leis do trabalho não eram apenas do trabalho, eram também
sociais.
Em 1943,
no dia 1º de maio, foi promulgada a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT). O contexto de sua criação é particular: o governo
buscava legitimidade para a figura de Getúlio Vargas. Mais do que apenas ser
legítimo, Vargas, que acabara de instituir o Estado Novo, buscava personificar
a figura de “pai dos pobres”. O país passava por uma fase de
desenvolvimento: o número de trabalhadores aumentava e suas reivindicações
também. Por isso, era necessário unificar as leis do trabalho. A CLT
garantiu parte das demandas dos trabalhadores. Leis posteriores garantiriam
também 13º salário, repouso semanal remunerado e outras conquistas que
abordaremos em outros momentos desta trilha.
Outras
medidas foram tomadas na história recente, todas elas quase sempre
impulsionadas por momentos de tensão entre trabalhadores, governos e
grandes corporações. Os direitos trabalhistas, como pudemos perceber nesta
breve exposição da história dos direitos trabalhistas, giram em torno dessas tensões
e servem muitas vezes como um anestésico funcional para as grandes massas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário